Nestes longos anos, já escreví vários livros. Todos eles abordando o apaixonante tema dos queijos... E, hoje, me deparei inquieto e pensativo com a interessante missão de apresentar este meu livro sobre Mussarela, um queijo que se tornou universal, mas, mesmo assim, não leva em si a aura poética que é tão visível no entorno de um Roquefort, Camembert, Parmigiano-Reggiano e outros empedernidos quei-jos de altas castas e longa estirpe europeia...
Entretanto, um descuidado olhar sobre a filagem, sobre essas mãos laboriosas, não nos revela muito sobre as maravilhas que se passam no âmago e profundezas dessa massa contorcida e retorcida, afogada em águas fervilhantes e vaporosas ... Nossos olhos rasos, tão humanos e cartesianos, não poderiam mesmo ver aquelas pálidas fibras de caseína se alinhando preguiçosamente e se enfileirando lentamente, em paralelis-mos de infinitas platitudes e amplitudes...
Vocês podem imaginar bilhões de moléculas de cálcio? Umas, um tanto quanto perdidas buscando sua identidade química, sem saber se são iônicas e, se assim for... se são catiônicas ou aniônicas, em meio a ameaçadores tampões e desdenhosos lactatos... E, pior ainda, outras se revelando moléculas desnorteadas em permanente estado coloidal, sem eira nem beira naquele mundo onde ter carga significa ter laços e enlaces de grandes e sisudas covalências...
Sim, com toques misteriosos de química, bioquímica e daquela embolorada alquimía, turbihões de coisas seguem acontecendo enquanto a Mussarela se entrega sem esperanças ao seu fatídico destino de ser fervida, esticada, embolada, amassada e novamente esticada e retorcida em roscas sem fins e de tortuosas finalidades... Vocês conseguem cerrar os olhos e imaginar o corrosivo ácido lático em sua sanha de caçar gordos paracaseinatos e, impiedosamente, despojá-los de seus parcos recursos minerais e, ainda, abandoná-los pelas vias metabólicas totalmente desmineralizados...? E lá se vai ele, ácido e faceiro, em pecaminosos abraços com o rubicundo pH, que vem baixando com azedume sobre todas as coisas, deslocando prótons aqui e bases conjugadas por alí, enquanto se move triunfante em constante dissociação pelas curvas da fermentação...
Pois é... essas simples Mussarelas não são arrogantes como um vetusto Parmigiano da Régia Emília, ou como esses impassíveis Danbos ,descendentes dos bravios vikings dos mares do Norte... A Mozzarella nasceu humilde na bota italiana, ali pertinho de Nápoles, ouvindo ru-gidos e suspiros do temperamental e rabugento Vesúvio e, sem muita exuberância, foi se esgueirando sorrateira entre as hordas em tran-sumância peninsular e, numa espécie de canhestra diáspora caseolí-tica, ganhou o mundo e veio a cair na benquerença de criativos piz-zaiolos, seus companheiros de desterro e degredo mundanos... Virou, sem sonhos e perdida em quimeras, um queijo universal, ainda que despojado de pedigrees de alta ascendência ou emblemáticos brasões de orgulhosa nobreza...
Esta é a velha, antiga, cantada e decantada Mussarela, que, hoje, data venia, venho lhes apresentar... Despida de títulos, pobre em en-cantamentos, sem acordes de pomposas melodias... Mas, cheia de funções e funcionalidades... coadjuvante de nossas vidas, protagonis-ta de nossas pizzas... Se a tradição queijeira lhe foi madrasta, tornou-se a enteada que todos os queijeiros adotam e todos os pizzaiolos envolvem em perfumado orégano ... Se antes era necessária, agora, personagem global, encheu-se de importância mundial e se fez im-prescindível, velha dama soberana de nosso cotidiano laticinista...
Mussarela - Fabricação & Funcionalidade
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